02 novembro 2007

Uma carta para ti...


Meu amor,
Escrevo a ti enquanto o esboço de uma tempestade absoluta me espreita. Na maior parte dos dias é a claridade que acaricia o corpo da cidade e as pessoas ganham um tom maior de sol na pele. Eu queria te dar esta paisagem de presente. Mas como reunir todos os elementos deste dia como se fossem flores que se organiza num arranjo? Se eu pudesse, te faria um buquê de flor-de-chuva, de sêmen de vento, de ventre de terra semeada por verbo, verso e dessa água cristalina rabiscando transparências no eterno...
(Mas também sei que se você fechar os olhos dentro do teu quarto, ainda poderá ver o horizonte que pintei... Eu descobri que todas as paisagens brotam do interno)...
Comecei a carta com tanto pudor que tentei falar sobre o tempo, mas logo o assunto acaba. Do que poderia contar além da saudade... daquelas sensações homéricas, de quando o corpo falava mais que minha poesia... eu nem posso fotografar meu orgasmo, nem os espasmos vindos depois, nos músculos que se contraiem até à câimbra... Mas tudo é um silêncio azul se não posso dizer... e, nesse momento, minhas palavras são vermelho-fogo,vermelho-sangue, vermelho-aceso, líquido-espesso-quente cuidadosamente derramado. Só que as palavras não se aproximam da minha ardência quando escrevo... E a solidão da escrita é só esses enroscar de dedos na caneta...

Porque há uma distância que separa as minhas mãos do seu rosto.