03 novembro 2007

Talvez

Talvez ele não saiba que aquela dor que ele me causou, calou os meus olhos violentamente por uns tempos. Isso não é crime, é carma: magoar alguém assim, dentro do melhor vestido, remover com lágrimas o rímel cuidadosamente passado, deixar tão descrente alguém que achava a vida mágica...

Talvez ele nem desconfie que quando eu tive que ir embora, assim que nos demos as costas, eu respirei fundo uma, duas, três vezes, coloquei quatro gotas de floral de Bach embaixo da língua e me afundei na tristeza. E que passei sete dias lendo Nietzsche revoltada com o "último homem" e discordando do "Pequeno Príncipe" de Exupéry. E sempre vou dormir sem sono, meditando cura e mantrando plenitude nas caminhadas matinais que só faço se houver chuva. (Mas tentei suicídio comendo o último pedaço de pizza de calabresa esquecida, desde aquele dia, dentro do forno apagado... Porque morrer de amor seria um exagero).

Talvez ele nem imagine que eu nunca mais sai de casa e que escrevi vinte e nove cartas sobre a minha mágoa e nunca enviei porque sou moça espiritualista e tenho que manter o discurso saudável do "isto também passará". (Não mandei, mas depois da segunda garrafa de bebida às três da tarde, foi por um triz).

Dormi no chão, quis mudar de religião, li Lacan e critiquei Freud pelo seu processo lento e generalizador. Pensei em mudar de curso, de profissão, de cidade. Quis mudar de mim, já que meu corpo é a casa de um só sentimento. Fiz uma viagem, não quis conhecer ninguém, posei de antipática porque estava apática. Me escondi da lua cheia, fiz do meu quarto um campo de concentração e depois me mudei para sala. Tranquei todas as portas pra não entrar qualquer ilusão. Sou apenas eu e a minha tristeza intransitiva.

A dor exaustiva de cabeceira não cessa, me deixa no fundo do poço. Me alimento daquela porção individual de desilusão, pois me é impossível enterrar o passado num túmulo desconhecido.
E foi no momento em que me dei por inteira, ele me deu as costas...



E o meu melhor vestido ainda espera uma nova chance, mas dessa vez o rímel será à prova dágua...