01 novembro 2007

Amanhecer

Quando perco o sono fico costurando flores por dentro dos sonhos, no viés do vestido da noite. Às vezes me dá uma vontade crua de ser triste só pra encharcar com lágrimas de sal a poesia e espantar as abelhas. Mas não aprendi amargura nem quando me amamentaram com fel. Eu só preciso pingar duas gotinhas de lua nos meus olhos pra dilatar a pupila e resgatar minha inocência. E aceitar com ternura minha vida de insônias, ardências, solidão e desencontros. Estou com sede de mudanças, mas não quero arrastar os móveis, nem desentortar os quadros. Quero desabitar meus hábitos; entrar na poeira estagnada das coisas e assoprá-la no vento como quando se liberta um passarinho depois de curar sua asa machucada. Eu só preciso deixar que meus dedos dancem a coreografia do poema novo, vestir as palavras de cetim pra seduzir o moço e aumentar as exclamações do seu desejo.
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Amanhecer é da competência dos dias.
O poeta tece a paisagem.