23 janeiro 2008

Para sempre...e desde sempre

Mas para que se perceba o verão há que se abrir as janelas do corpo quando pela manhã o suor ainda é virgem e o cansaço não embruteceu as retinas do sonho. Mesmo que o dia rompa agressivo e o sol inclemente de luz tanta, no silêncio, pode-se deixar guiar até ao barulho das fontes, até ao sussurro das ondas. A alegria quer a gente muito alerta para que possa desaguar turvo bem no meio da esperança cristalina. (É por contágio que as coisas boas nascem e as não tão boas também. E é de inanição que as coisas vivas morrem, principalmente). Tem música que nasce do beijo, do abraço, nasce naquela hora em que todo o corpo estava ocupado em afago. Tem música que nasce do nada na hora dos dedos inertes que resolveram dedilhar um sol. Há poesia que nasce da dor e poeta que se acostuma com ela. Tem gente que passa a vida esperando um milagre... enquanto alguém os escreve.


Às vezes caminho

Às vezes ando, às vezes me ajoelho

Às vezes não falo absolutamente nada...

Às vezes penso, "querido Deus..."


Esperou que as horas dormissem para que houvesse mais tempo pra sentir. E escolheu a melhor sensação pra vestir o seu poema. E havia alegria no peito, mas a sua primeira frase nasceu triste. Não entendeu. Não eram palavras melancólicas, era o tom do texto que estava em harmonia com a tristeza. Como se o primeiro olhar que a poesia lhe lançasse fosse lânguido, desanimado: um olhar sem flerte. Nenhuma sedução se fazia ali. Tentou recortar uma paisagem mais gentil que fosse equivalente à alegria, e um céu tão azul aconteceu... Mas o céu sem nuvens era de um azul tão só... Talvez aquela calmaria aborrecesse o seu rascunho. E no fundo, o que lhe faltava era companhia. E pintou uma ventania brusca que trazia chuva e afundava estrelas.
Na verdade, tinha muito choro guardado naquele vento... Que lavasse aquela dor, então.